segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Thanks for all


Para vocês que habitam os espaços e os contornos desta nossa tarefa árdua do fazer teatral, meus sinceros cumprimentos e profunda admiração pelo que fazem. A todos vocês integrantes e associados da Vigor Mortis - Video, Stage & Words, (produção, direção, elenco, equipe técnica), meus agradecimentos pela abertura a vir integrar este trabalho, e pela oportunidade que me propiciaram de ajudar a dar corpo e forma a este Drama Documentário Musical, que é Manson Supertar.

Ao vir integrar este projeto, realizei parte de uma vontade que era a de trabalhar com o Paulo (vontade acendida já desde as brumas em sala de aula, no curso de direção), de novo com a minha amissíssima Rafaella e o Wagner, com o Dani, (do qual havia partilhado experiências em "Snuff Games"), e assumi um compromisso de estudar com afinco, (como o estudante "nerd" que senta na primeira fila na sala de aula, e de, nem por isso perder a malícia e a ternura (como o estudante mascando chiclete, que senta na última cadeira, perto da janela com vidro quebrado), e, também, poder retribuir a oportunidade com meu esforça e com a possibilidade de poder realizar um trabalho sério e à altura do histórico desta companhia.

Neste momento em que estamos encerrando esta curta temporada, me proponho a prestar contas do que fiz e até como forma de provar que as idéias plantadas em mim pelo Paulo, e pelo contato com as pessoas envolvidas, que doaram sua intuição e seu conhecimento de modo tão espontâneoo e generoso, foram estremamente eficazes para mim, e que acabaram atiçanco minha imaginação, intuição, e mexendo com meu cérebro de modo singular, que passou a responder com uma trama de idéias (dentro e fora do horário de ensaio), situações, não-situações, organizações vocais (pesquisei Babaya sim, heheh, mas também muito canto vocal - passei a viver literalmente por alguns dias com um fone de ouvido preso aos ouvidos), e, claro, horas e horas e horas de vídeos ficcionais e não ficcionais sobre o caso Tate-LaBianca, e assassinatos, em geral - descobri relações intrínsecas até mesmo sobre crime e ergonomia, absurso!, que bom que a Investigação Criminal teve seus avanços), dilatação de corpo (Broadway, West End, Music Hall, Cabaré, Jazz, Eugênio Baaaaarrba, rssr, e, é claro, toda a nossa carga de repertório intelectual e prático, por mais humilde que seja, é sempre somada a favor do trabalho profícuo). Também, indiscutivelmente, a pesquisa sobre o lado marginal de tudo isto (já que estamos falando de Charles Manson - o pop star marginal vivo mais conhecido do mundo - em mim, ecos do "Brutal", do Bortolotto, e novamente de "Querô - Uma Reportagem Maldita", do Plínio Marcos, dos nossos mais potentes artistas marginais), além, é claro, da pesquisa sobre a vida pessoal de todos os envolvidos no caso.

Tentamos controlar também, além de tudo, os ânimos, os dias cheios, os humores, mas sim, sempre em busca da melhor potência, da melhor carga de energia gerada e empregada, afim de compôr esta trama de relações sígnicas formais complexas que é hoje Manson Superstar, e que me ajudaram a galgar mais um ladrilho ladeira à frente (e olha que em curitiba os paralelepípedos são molhados e escorregadios, na maior parte do tempo), creio eu, avanços que consegui nestes últimos meses de trabalho.

A todos os envolvidos no Projeto Manson Superstar - meus sinceros agradecimentos pelas orientações, trocas, contribuições que puderam vir a somar-se e irradiar os dias solares de meu trabalho e pela paciência que tiveram com o meu lado obscuro e silencioso.

Hoje, no começo da útima semana desta breve temporada de 2009, procuro uma forma de agradecer citando um trecho de As Cerejas, do autor Lawrence Durrell, já que, como verão, considero de uma estética familiar à Vigor Mortis.


"... Foi lá que a vi pela primeira vez.
Estava sentada com aquele tal de Boris, que tinha voz de relógio, igual ao rosto. Ele não ria nunca. Quando a vi, comecei a tremer, e o lado de dentro de minhas coxas ficou frio. Ela sorriu e desviou os olhos. Estava sentada com aquele tal de Boris. e desviou os olhos para o outro lado.
Então eu fui até a mesa deles, levando umas flores que tirei de um vaso, e ela ficou contente, olhando-me com olhos enormes. Mas aquele tal de Boris botou a mão no meu braço e falou com os dedos. Eu disse:
-Se a música é o alimento do amor - bem alto, e repeti e repeti várias vezes: Se a música é o alimento do amor.
Mas quando ela virou a cabeça minhas mãos ficaram inquietas.
Eu comi a comida, mas fui muito esperto. fiquei de olho neles. Quando se levantaram eu os segui. Andei muito devagar atrás deles algum tempo. Não tinha nada para dar a ela, de modo que arranquei minha unha e corri até o tal de Boris.
- Dá para ela - disse eu. - Dá um presente para ela.
Os olhos dele estavam brincando de quebra-cabeça na barba, o que me pareceu engraçado. Então eu ri um pouqionho só, enquanto chupava minha mão. ela abriu a boca para deixar que eu visse os dentinhos lá dentro. e depois disso fui-me embora muito depressa.
Naquela nite vi o rosto dela. e desenhei-o na parede acima da minha cama. assim: 33. Era bonito, e senti uma dor do lado. Não me deixava dormir, de modo que li um livro que dizia, no alto da página:

"Do meu amor farei punhal agudo
Virado para mim, buscando no meu corpo
O vaso que traz dor
Dói para sempre com a sensação dela."

No dia seguinte fui de novo lá no meio das luzes. Corri muito depressa, com o sobretudo pendurado à minha volta. Estrava faeliz. Meus sapatos eram amarelos e barulhentos.
Mas ela não estava lá. Esperei e esperei, mas não apareceu. Aquele tal de Boris não apareceu. Cada vez que me lembrava da sua boca aberta, com os dentinhos dentro, me arrepiava, e o lado esquerdo doía. Doía. Mas ela não apareceu. E naquela noite eu não consegui dormir de novo.
Eu a via na parede.
Durante muitos dias depois disso, eu esperei, mas ela não apareceu. Continuava a sentir a dor, bem embaixo, no lado esquerdo, e continuava a não conseguir dormir muito.
Eu disse, fingindo:
- Deve ser a janela rangendo. - É claro que eu estava só fingindo. - É a dobradiça.
Acho que ele acreditou, porque deu meia volta e foi-se embora.
Como eu esperei! Quanto tempo eu esperei! Passava e passava e passava, não sei durante quanto tempo; mas eu sempre esperava por ela. Nem ela nem aquele tal de Boris apareceram. A noite virou um tempo enorme. Uma noite eu li o livro de novo:

"Do meu amor farei punhal agudo
Virado para mim, buscando no meu corpo
O vaso que traz dor
Dói para sempre com a sensação dela."


Claro que parecia muito solene. Fui bebendo o meu choro à medida que ele saía dos meus olhos. Depois tirei minha roupa e fiquei defronte do espelho. Parecia magro, mas tinha parado de chorar. Botei a mão no lado esquerdo, em cima da dor, para não errar o lugar certo. E via as cerejas atrás de minha imagem refletida no espelho. A navalha sussurrou, como se estivesse cortando seda. E aí eu sentei na cama porque me senti um pouquinho aberto, também. Mas continuava me vendo no espelho, com as cerejas atrás da minha imagem refletida. Senti sede, mas sabia que não devia lambê-las.
Fui muito cuidadoso. Minhas mãos ficaram um pouco escorregadias, mas não me importei. Tudo parecia ter-se afastado um pouquinho de mim. Olhei para cima, mas não havia vasos; só uns tubos vermelhos encaracolados. Olhei com todo o cuidado.
E aí eles todos vieram lá de fora, fazendo barulho, e ficaram na porta. Reparei como os seus olhos estavam grandes. Eles gritaram, e mexeram com as mãos muito depressa. Eu comecei a ter muitos soluços.
Eu disse:
- Eu não tornei a lamber as cerejas. Por favor, eu não tornei a lamber as cerejas...
Não pareceram compreender, e senti medo, de modo que escondi meu rosto nas mãos. Houve um barulho no patamar, e tudo pareceu ficar cada vez mais longe. Espiei uma vez por entre os dedos. As cerejas continuavam lá."


A pulsão de criação que se passou por mim neste período quer agora, ainda um pouco mais, tomar forma, junto com esta maravilhosa equipe, por ainda mais algumas apresentações. E é com esta disposição que invadiremos 2010 para dar continuidade a este trabalho, que tanto têm me ensinado.

Vida longa a todos vocês que brilham, dentro e fora do palco, na Vigor Mortis, no projeto Manson Superstar.


"Thundercats - Hooooooooooooo!"
Trecho de texto de preparação de Manson Superstar.


Andrew Knoll

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